Por que a pressa?

Tô aqui rindo da vida depois de ler alguns artigos sobre o chat GPT e os riscos da inteligência artificial na nossa vida. Não tô rindo por minimizar essas consequências, mas por me dar conta que a principal razão do sucesso do chat GPT é a velocidade de resposta. Nenhum outro mecanismo de pesquisa hoje consegue prover respostas tão rápidas a tamanha variedade de questões. A ironia é que ontem, pouco antes de ler estes artigos, comecei um grupo online de terapia e meditação, onde sugeri para a semana que os participantes desacelerassem… é, parece que eu tô indo na contramão da tecnologia…

Eu conheço a pressa. Lembro da tensão de ter que dar conta de memorizar uma quantidade enorme de informação pra reproduzi-la na prova do colégio em um tempo limite pra tirar nota boa. Depois a mesma tensão pra passar no vestibular… pra constar: faz tempo que esqueci a arrasadora maioria destas informações decoradas à força. Lembro de sonhar de noite com essa sensação de stress e acordar assustada, pensando que era dia de prova, mesmo depois de ter acabado meus estudos.

Lembro de apressar minha filha, quando ela era pequena. E das oportunidades que eu perdi de entrar no mundo encantado dela, porque o meu mundo de adulta era tão mais importante…

E pra que tanta pressa? O que é que tem lá na frente, nos esperando tão gloriosamente, que nos faz correr atropelando tudo e todos? A pressa e ansiedade de alcançar algo lá na frente só pode falar de alguma falta que a gente sente. E essa falta é desse algo que tem lá na frente?

Uma das principais críticas pejorativas dos brancos aos povos indígenas é considera-los preguiçosos. E se preguiça é sinônimo de falta de stress, aí tá certo. Mas não lhes falta de vontade de viver. Só que eles viviam (antes de terem suas vidas invadidas por adultos brancos de vidas “mais importantes”) numa conexão tão inteira com a Natureza, dentro e fora deles, que eles sabiam que não precisavam ter pressa… nem perder tempo. Em se tratando de correr um perigo real, toda a adrenalina necessária estava lá, acionando todo um sistema que protegia a vida. E eles sabiam que a Vida era abundante. Escassez foi um vírus trazido pelos invasores. E eles sabiam que eram um povo, e como tal se cuidavam, protegiam e nutriam – de tudo que o ser humano precisa (“a gente não quer só comida…”).

Quão longe a gente foi dessa conexão, desse saber primordial, dessa possibilidade de uma Vida abundante, relaxada e ativa, onde a cooperação vale mais do que a competição e juntos a gente é muito mais do que a soma de individualidades…

Sim, num mundo em que vence o mais rápido, tô eu aqui, alegremente desajustada, sugerindo pras pessoas desacelerarem! Afinal, quem quer “vencer”? O que é sucesso pra ti? Pra mim, sucesso é ter acabado de parar de escrever pra admirar uma borboleta amarela, muito incomum por aqui, fazendo piruetas na minha janela! Algo dentro do meu peito deu piruetas junto e me senti feliz. O que me falta neste momento? Nada! Tem tantos momentos assim, em que nada falta! A gente só precisa desacelerar um pouco pra percebê-los. É como aquela historinha Sufi, sobre um rei muito rico que queria provar seu ponto sobre a ignorância humana e fez uma experiência. Ele colocou um saco de moedas de ouro no meio de uma ponte e disse para um grupo de sábios do reino que ele mandaria um homem muito pobre atravessar a ponte e o homem não pegaria o saco. Obviamente os sábios discordaram do rei, mas foi exatamente o que aconteceu. Ao ver o homem chegando ao outro lado da ponte sem o saco de ouro, lhe perguntaram se ele não viu o saco no meio da ponte. A resposta dele: “como eu estou muito acostumado a atravessar esta ponte, desta vez resolvi fazer diferente e atravessar com os olhos fechados”!

A gente compra qualquer plot pré-escrito pra nossa vida (em breve eles serão escritos pela IA!). É importante questionar qual script estamos seguindo. Tem que “vencer na vida”! Vencer quem? O que? Quem te disse isso? O que significa vencer pra você? Não pode “ficar pra trás”! Pra trás de quem? Do que? Quem decide onde é a frente? É pra lá que você quer ir?

Outra historinha: diz-se que Alexandre O grande encontrou com o filósofo Diógenes, que vivia nu, em um barril, sem pertences pessoais. Tendo ouvido falar muito de Diógenes, Alexandre lhe ofereceu metade de sua riqueza se o sábio lhe acompanhasse. Diógenes respondeu que não queria nada dele, apenas que saísse da frente do sol, pois estava lhe fazendo sombra. Alexandre teria ficado aturdido com a resposta e Diógenes o questionou: onde você está indo? “conquistar o mundo”, Alexandre replicou. “E depois?”, perguntou o sábio. “Depois vou descansar”. “Vê, você tem que ir conquistar o mundo todo para poder descansar e eu já estou descansando aqui e agora”, respondeu o sábio.

Legal e importante a gente parar e se questionar: pra que eu tenho tanta pressa? Usando o chatGPT pra fazer minha prova, criar meu conteúdo pras redes sociais, chegar antes nas oportunidades, quem estará “chegando antes”? Uma manifestação de quem eu sou? Ou a manifestação da compilação de informações diversas de fontes que eu desconheço oferecidas por um programa de linguagem? Onde estou eu nesse processo todo? Não entro aqui no mérito da possibilidade de erro nas informações da IA, meu foco é na gente, não na IA.

Temos que ter pressa em desacelerar, penso eu, antes que a velocidade da desconexão nos engula de vez e percamos o caminho de volta. Esse vírus da escassez que foi aprendido pelo mundo precisa de uma cura. A vacina que eu conheço e que funciona pra vírus que atacam a humanidade da gente é o questionamento sincero e profundo. Não aquele questionar cínico, que já tem um viés de resposta, mas o questionar que tem sede de des-cobrir a verdade. Tirar de cima da verdade todas as camadas artificiais com que fomos cobrindo. Afinal, Verdade não pode ser artificial.

Ao que serve a crença na escassez? Não há espaço pra todos? Não há comida pra todos? Não há recursos pra todos? Mesmo? O que a gente sabe é que acreditar nestas premissas faz a gente querer acumular, ter um pouco mais do que o necessário, caso… né? E aí, acumular um pouco mais do que o nosso extra, pra deixar pros filhos, caso… né? Até que acumular vira um hábito, que vira um padrão e, quando a gente vê, pimba! Temos bilionários no mundo! Pra que serve um bilionário? E pra que alguém precisa de bilhões de dinheiros? Esse fluxo econômico que foi parar nas mãos de algumas pessoas, esvaziou outras mãos, e bocas… Não penso que todo mundo deva ter o mesmo, amo o fato de sermos todos únicos e assim termos necessidades diferentes. Mas todos precisamos ter nossas necessidades satisfeitas e podemos cuidar disso, juntos.

É como um corpo humano, tem órgãos diferentes, células com funções e estruturas diferentes. E tem um fluxo de vida, de sangue, de oxigênio, de nutrientes e substâncias de funções diversas que são direcionadas pra onde são necessárias. Quando um órgão precisa trabalhar mais, ele chama mais sangue e o corpo todo supre essa demanda. Nenhum órgão fica ressentido porque o outro ganhou mais sangue e esse que ganhou mais não vai querer ficar ganhando infinitamente mais, só pra acumular, caso… né? Também nunca vi quando uma perna fica machucada, a outra se recusar a sustentar mais peso, porque é “injusto”. Assim como nenhuma célula do fígado resolve mudar de ideia e passar a ser uma célula de cérebro, que é mais trend… e quando isso acontece, as outras células a reconhecem como uma distorção que faz mal ao corpo e a destroem. E quando isso não é possível, se torna uma doença.

E a gente vem propagando essa doença social onde cada pessoa se esqueceu de quem é, e assim passou a seguir uma direção que não sustenta esse corpo magnífico chamado Humanidade. Não tem vencedores nessa equação. Quando o corpo vai à falência, todo mundo perde. Até os bilionários.

Então fica aqui a minha dica pra todo mundo que quiser experimentar: ao invés de ter pressa, eu sugiro essa rebelião atrevida do desacelerar. Sentir cada passo que a gente dá, o pé no chão, o vento no rosto, o cheiro e o som das coisas, a sensação de estar vivo nesse mundo, e ir aos poucos lembrando dessa célula que eu sou e qual minha função nesse corpo maior. Spoiler: desacelerando é bem provável que a gente entre em contato com aquela falta que eu mencionei lá no início deste texto. Só que essa é a única forma de compreendê-la e lidar com ela, pois nenhuma corrida apressada pra fugir dessa falta tem sucesso, ela nos acompanha como uma sombra.

A única urgência aqui é re-conhecer a nossa humanidade, em nós mesmos e no coletivo. Sem pressa, e sem perder tempo.

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