Tenho visto um fenômeno curioso nesses tempos de vida virtual. Parece que a gente aprendeu um jeito de “viver” onde quantidade importa mais do que conteúdo e quanto mais rápido a gente acumular, melhor. A gente come rápido demais, sem sentir o sabor do que tá comendo (geralmente o sabor é de glutamato monossódico mesmo, que já é um jeito rápido – e venenoso – de deixar a comida com sabor sem ter que “perder tempo” em temperos…); passa rápido por lugares lindos, só pra tirar foto e postar no instagram, sem deixar aquele lugar mexer com a gente; transa rápido, com objetivo de gozar, sem conhecer as delícias e profundidades que o sexo pode proporcionar… a lista é gigante, mas a experiência tem sido uma só: o vazio.
A tal obsolescência programada, que rege a curta vida útil das coisas para que tenhamos que comprar outra em pouco tempo de uso, chegou a outros níveis de experiência. Queremos fast-satisfação e esquecemos que estar vivo é estar em transmutação. Em algum momento da vida decidimos que somos assim e pronto. Agora o mundo que nos satisfaça. Que triste.
E no rolê dito “espiritual” não é diferente. A gente vira consumista de satsang, de “cerimônias” diversas com as mais variadas substâncias, de workshops, livros, filmes de auto-ajuda, dos últimos tarôs, de milhares de frases inspiradoras nas redes sociais, enche o carrinho dos últimos produtos new age… acumulando experiências ao invés de ser transformado por elas. É um photoshop no ego, só que a gente se ilude que tá fazendo alguma coisa pra mudar/melhorar.
A meu ver tem uma ferida bem importante pra ser reconhecida aí, que é a nossa falta de sentir algum valor ou confiança na nossa própria sabedoria. É como se precisássemos o tempo todo estar comprovando o que sentimos ou comprando algum conhecimento que vai nos mostrar o que fazer com a nossa vida. Tem que parar e se perguntar “onde foi que eu parei de confiar em mim?” É enlouquecedora a quantidade de informações disponíveis na internet, sobre literalmente qualquer assunto, mas eu me refiro mais especificamente a “como viver melhor”. E a cultura do fast-tudo vai consumindo esses conhecimentos compartilhados sem parar pra sentir como eles ressoam pra gente. Por isso é tão fácil passar fake news. A gente não quer “perder tempo” em checar, nem fora nem dentro da gente. E isso é muito perigoso, vai nos desconectando cada vez mais de nós mesmos, e daquele vazio que fica cada vez mais difícil de acessar, compreender, transmutar…
A mudança tem a ver com parar e sentir. As coisas gostosas e as não tão gostosas assim. Assim a gente responde ao momento, ao invés de ser carregado cegamente por ele. Isso se chama Responsabilidade. Responsabilidade não é aquele fardo pesado e chato que os adultos carregam e que não permite que eles brinquem e sejam leves. Muito antes pelo contrário, responsabilidade é a capacidade de responder ao que se apresenta na nossa vida, se relacionar com a realidade, ao invés de viver abduzido por fantasias delusionais. A escassez, por exemplo, é uma delusão coletiva que precisa urgentemente ser endereçada. Vivemos num planeta que tem plenas condições de cuidar de todos os seres humanos que vivem nele, sem que ninguém tenha que passar pela dor humilhante e desumana da fome. E a realidade que criamos é exatamente a da fome! Como fomos chegar nisso? Como chegamos ao ponto de dizimar povos originários e destruir a Natureza que eles tão sabiamente preservam para aumentar a riqueza de poucos e a pobreza de muitos?
A distorção acontece em uma escala gigantesca e ela vem se formando aos poucos, a passinhos de formiguinha. A cada vez que escolhemos não responder ao que acontece com a gente, a “passar batido” pelos sinais que vem de dentro e “aceitamos” ou compactuamos com os desvios e distorções que encontramos no mundo.
Começa dentro sim, e a ação eficaz vem da Potência que tá lá dentro da gente. Não basta repetir que nem papagaio o que se ouve e chamar isso de ativismo. Pra mudar desde o micro até o maxi-macro, tem que acessar essa Potência, que tá intimamente ligada ao movimento de transmutação constante que acontece dentro da gente, e deixar que ela determine nossa ação. Então, quem é você enquanto lê isso? E o que isso faz contigo? Em que pontos mexe? Que portas abre no teu sentir e pensar? É isso que importa, não minhas palavras, mas o que elas apontam em ti. Então, não tô falando em não ler mais livros, não fazer cursos ou qualquer das atividades a que a gente se sinta atraído, mas estar Presente nelas, deixar que cada uma nos toque, nos transforme.
Conectar com a Potência é encontrar nosso lugar no mundo, neste momento, de forma que a gente possa participar dessa co-criação conscientemente, promovendo a Vida e não simplesmente perpetuando o sistema da desconexão. E esse movimento vai ser cheio de alegria e liberdade, que seguem a Responsabilidade como uma sombra. Menos consumo desenfreado e mais confiança e conexão com os recursos que já estão aqui dentro da gente é minha dica.