Estava num café com minha amiga ontem e era cheio de chapéu verde, plaquinhas verdes, garçons de camisetas verdes, bonequinhos de leprechauns e trevinhos verdes por todo lugar… cada ano mais comum aqui no Brasil essa “comemoração de Saint Patrick’s Day”. Me cheirava mal… não gosto de celebrar sem saber o que eu estou celebrando… fui pesquisar na Barsa, ops, no Google! Descobri, lendo várias fontes, que esse Saint Patrick escreveu memórias nas quais ele conta que era um Bispo cristão no século V que buscou levar o cristianismo da igreja católica apostólica ROMANA à Irlanda. No século V o império romano – aqueles caras que, junto com a aristocracia judaica da época condenaram e executaram Yeshua, aka Jesus Cristo, já tinha dominado uma grande parte da Europa aniquilando dissidências, religiosas, políticas ou de qualquer ordem. Mas faltava os druidas* da Irlanda, então, lá foi o tal do bispo Patrick dar conta do recado. Ou seja, a missão do cara era passar a régua na Irlanda e deixar todo mundo bem obediente à ordem romana, cujo interesse era em controlar, controlar e controlar. Enquanto as outras formas de expressão espiritual que eles aniquilavam promoviam a reconexão (re-ligare, raiz da palavra religião) com o divino dentro de cada um e nos elementos da natureza. Já pensou como se controla um pessoal que sabe da sua natureza divina? Não tem como, e os romanos tentavam, e não conseguiam, aí eles matavam e destruíam evidências.
Foi assim com os discípulos “raiz” de Yeshua (os “nutela” foram cooptados), que foram perseguidos até o fim, foi assim com o conhecimento registrado (a queima da biblioteca de Alexandria e tantas outras destruições), foi assim com tantas escolas místicas, as “bruxas”, os povos originários do nosso e de outros países… onde houvesse sinal de poder real (aquele que vem da nossa conexão com a nossa Natureza), vinha o rolo compressor do patriarcado investido na igreja católica apostólica ROMANA e esmagava.
Mas um rolo compressor passa uma sensação de estabilidade, de segurança… parece sempre melhor estar do lado dele… ou pelo menos assim pensaram as massas, que amaram ser colonizadas e convencidas de que era uma ótima ideia seguir o pensamento dos colonizadores e esquecer completamente qualquer parte de si mesmas que discordasse dele… e voilà a celebração de Saint Patrick’s Day.
E a Irlanda, um povo torturado por muito tempo de guerra, boicote, depreciação e rejeição*, resolveu bombar este feriado como estratégia de ser visto e celebrado pelo mundo. Mas vira-lata não se auto-celebra, né, Braseel? Então tinha que ter alguém de imponente respeito pra encabeçar a celebração… que tal o “Santo Padroeiro” da Irlanda? Quem quer que dê alguma atenção ao vira-lata vira seu santo padroeiro… E o povo esquece as riquezas reais e naturais da sua cultura e espiritualidade…
Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência. Me irrita essa necessidade de pegar emprestado tudo dos europeus e estado-unidenses. É como se a gente fosse um país que, quando crescer, quer ser como eles! Acontece que a gente já era enorme antes da invasão deles! (que os livros de história ainda narram como “descobrimento”!)
Esse é o complexo de vira-lata, tão bem narrado pela Márcia Tiburi* e tão presente na nossa vida. E o que isso tem a ver com tua dificuldade em tomar as rédeas da sua vida? Pensa comigo: quando você chegou nesse mundo, você já era um ser humano completo. Você não era um projeto de ser humano. Precisava de apoio sim, pra sobreviver, crescer, se descobrir… não precisava ser moldado em algo que você não era…, mas foi exatamente o que aconteceu com a gente. Tinha aquelas pessoas grandes, que tomavam conta do mundo, que pareciam saber de tudo, e das quais a nossa vida dependia… então, não tinha escolha, era seguir aqueles adultos ou se dar mal. Felizmente vem a adolescência, e com ela a linda oportunidade de ver as coisas diferente, conhecer outras formas de ser adulto, e se desfazer daquilo que não ressoa pra gente. Alguns conseguem aproveitar essa ajudinha hormonal, outros permanecem estacionados na obediência compulsiva. E a gente é tão treinado a obedecer, que vai automaticamente procurando a próxima autoridade ou linha de pensamento à qual obedecer. Até o ponto de perder a noção da orientação interna.
No meu trabalho como terapeuta esta é a maior dificuldade escondida atrás de todos os problemas que as pessoas enfrentam. É epidêmica essa mania de achar que alguma autoridade fora sabe mais da minha vida do que eu! Não se engane, há quem se ache muito livre por viver em rebeldia contra algo ou alguém… ora, se a sua vida se organiza em função de alguém que não você mesmo, seja obedecendo ou indo contra, qual a diferença?
Tá na hora de expulsarmos os colonizadores de dentro de nós e recuperarmos nossa conexão com quem somos, em Natureza, em Essência. Dentro de cada um e cada uma de nós tem chaves incríveis pra criar uma vida belíssima e cheia de significado, não só pra gente, mas pra tudo e todos que nos rodeiam. Ficar brincando de “o mestre mandou” já venceu a validade… bora encontrar este mestre dentro?
- O druidismo era uma das formas politeístas celtas chamadas de pagãs pelo império romano.
- Recomendo muito os filmes sobre a Irlanda do Ken Loach – Ventos da Liberdade e Agenda Secreta. Ele retrata com mestria o sofrimento e legado traumático do povo Irlandês.
- Tiburi, Márcia, Complexo de Vira-lata, ed. Civilização Brasileira, 2021.