Fiquei sabendo de uma exposição de obras do Banksy em Los Angeles, que aconteceu nuns hangares. Ele pintou algumas paredes internas dos hangares num certo padrão e na exposição, entre as muitas obras expostas, soltou um elefante pintado no mesmo padrão (o documentário que eu assisti explicava que a tinta usada no elefante era inofensiva à saúde do animal). Era uma declaração enfática e clara sobre a “normalização” do anormal (no caso, a pobreza massiva no planeta). Basta maquiar de normal…
Eu não paro de ver elefantes de Banksy por aí… Ontem, por exemplo, fui à farmácia, lugar que não costumo frequentar. E quando vou, sempre me choca a quantidade de produtos comprovadamente nocivos à saúde vendidos ao lado de “remédios” (não entraremos aqui no mérito do quanto os remédios são benéficos à saúde). Salgadinhos, refrigerantes, “energizantes”, chocolates, doces, sorvetes, etc passeiam inocentemente nos corredores do lugar que supostamente vende produtos que promovem a saúde. Mesmo?
A mesma incredulidade me tomou quando fui pesquisar, um tempo atrás, o que era pré-sal. E fiquei chocada ao ver que a tal discussão sobre “a quem deve pertencer o pré-sal” era um desvio de rota absurdo! O pré-sal, que unta as entranhas do planeta, pertence ao planeta! E deve continuar lá, untando suas entranhas! Qualquer pseudo-solução pra nossa vida “moderna” que demande fraturar camadas profundas da terra pra retirar sua seiva não só não “resolve” nada como obviamente vai causar algum dano pra Terra!
E os números indecentes de gente passando fome num planeta onde alguns tem o suficiente pra viver muito bem por centenas de vidas?!
Mas parece que a gente se acostumou a ir engolindo narrativas sem questionar. E qualquer “solução” que pareça fácil então, é sucesso imediato de bilheteria! A gente quer abstrair os problemas, e não percebe que essa atitude vai nos enterrando cada vez mais neles…
A narrativa do inimigo comum é uma favorita e muito perigosa. Quando a gente elege um inimigo comum e acata que a solução é se livrar dele, tá consumindo fast-solution e se alienando da questão. Pode dar uma satisfaçãozinha na hora, mas vai cobrar um preço mais tarde.
Tirar o Bolsonaro do poder, neutralizar o coronavírus, prender os “bandidos”, tirar o lixo de dentro da nossa casa, declarar “guerra às drogas”, tomar remédio pra indigestão daquele veneno que a gente comeu são alguns exemplos dessas não-soluções. Calma, gente, nem uma célula do meu corpo quer que o Bolsonaro continue no poder, ou que o coronavírus continue tocando o terror… mas se a gente não parar pra entender como chegamos a estes cenários surrealmente terríveis, não vai ser a vacina ou a eleição do Lula que vão conseguir dar um fim ao ciclo-vicioso de destruição e desconexão que estamos vivendo.
A diferença da nossa situação para aquela exposição do Banksy é que aqui ninguém pintou nada… a gente é que faz “vista grossa”. E aí reside a pedra fundamental da construção das nossas distorções. Como é que a gente foi se tornando tão automático, tão insensível, tão mental e fisicamente preguiçoso, tão sem alegria, sem sonho, como foi que a gente foi perdendo a capacidade de enxergar a Vida, em toda sua maravilha, encantamento e Potência?!
Bem, várias escolas de psicologia tem muitas respostas pra estas perguntas e todas elas passam por infâncias submetidas a adultos que já tinham perdido estas conexões humanas fundamentais, eles próprios sobreviventes de infâncias similares… Então qual o caminho de volta? Voltar até Adão e Eva e cobrar o estrago? A volta não é pro passado. A gente precisa voltar pro Presente. O único lugar onde é possível viver, criar, amar – um tripé que realmente sustenta a Vida.
No momento em que a gente percebe a distorção, com essa percepção nasce a responsabiliberdade de uma visão mais coerente. Tem algo estranho nessa sala… esse elefante deveria estar aqui? É bom pra gente? É bom pro elefante? Não? Então vamos fazer algo a respeito?
A gente vem negligenciando nosso corpo há muito tempo, consumindo veneno tranquilamente, deixando de dançar, de mover com prazer, de criar e brincar com ele… Negligenciamos o corpo de Gaia, ativamente ou simplesmente assistindo passivamente o elefante destruir o que estiver pela frente, pois parece tão normal, e eu pareço tão pequena pra fazer alguma coisa… Construímos a situação ideal no planeta para que um vírus fizesse o estrago que fez, e a discussão gira em torno da vacina! Não vai dar pra ficar vivendo no apagamento de incêndio pra sempre…
Bora questionar a extração de petróleo? Bora questionar a extração de pedras e minérios que só alimentam fomes financeiras e geram incríveis sistemas de violência contra pessoas e contra a Terra? Bora questionar enfiar as crianças cheias de energia em salas fechadas, sentadas em cadeiras por 4 horas por dia, passando pela tortura de ter que “aprender” um monte de coisas que não as interessa, sendo comparadas e competindo entre si por reconhecimento? Bora questionar a fabricação de armas?! Sim, a fabricação! Pra que se faz armas? Pra que se faz bombas? Pra que se faz mísseis? E aviões porta-mísseis? E a fabricação de plástico? E de agrotóxicos? A lista é gigante… É simples mudar paradigmas tão enraizados na nossa cultura? Nem um pouco. Mas isso não é motivo pra não engajar nesse movimento. Eu não tenho a intenção de propor caminhos aqui, só de propor questionamentos. Talvez o ponto de interrogação seja nosso maior aliado no momento. E talvez a fabricação de aviões de caça seja um assunto meio distante da nossa vida, então a gente começa pelo que tá mais perto. Aquelas coisas que a gente acabou normalizando, mas que tem um sabor esquisito… confia no teu paladar emocional. Vai lá, investiga, questiona… e confia no poder que tem um ponto de interrogação bem sentido no corpo, no coração. Não existe resposta pronta, mas existe dentro da gente uma imensa capacidade de se relacionar com as circunstâncias que a vida apresenta e entrar em movimento a partir desta relação. A gente já fazia isso quando criancinha, mas não sabia. Resgatar essa capacidade, na minha experiência, me reconecta com a Alegria. A Alegria de ser adulta, criadora!